O adeus da França à Irmã Emmanuelle (Artigo)
Gilles Lapouge*
Noite de 19 de outubro; na casa de repouso onde aguarda completar cem anos, Irmã Emmanuelle prepara-se para dormir. À enfermeira que lhe deseja boa-noite, responde: "Não sei se a verei amanhã." Pela manhã, é encontrada morta.
A França decreta imediatamente uma de suas celebrações repletas de fausto. A figura comovente da amiga "dos catadores de lixo do Cairo" toma a primeira página dos jornais.
É verdade que ela adorava a TV. Cada aparição sua fazia subir os índices de audiência. Gostava de provocar, de chocar. Seus melhores amigos eram os grandes produtores da TV.
A biografia da santa Irmã era escrita ao vivo, sob os olhos fascinados dos franceses. Nascida em família abastada franco-belga, foi brilhante na escola. Era bonita, os meninos a deixavam curiosa. Mas Jesus foi mais forte, pois Jesus, todos sabem, quando encontra uma presa, não a larga mais. Ao tomar o hábito, assumiu o nome de Emmanuelle (Deus está conosco, em hebraico).
Quando se aposentou, o destino dessa mulher, já notável, tornou-se extraordinário. Decidiu cuidar de leprosos, mas não conseguiu autorização. Foi então viver entre catadores de lixo do Cairo. Nenhum estrangeiro entrava na favela de Ezbet el-Nakhal, por causa dos bandidos, do fedor, das doenças, da morte. Ela chegou em 1971, com seu agasalho cinza, seu tênis azul, sua jovialidade, sua coragem louca. Um catador emprestou-lhe sua cabana.
E ela atacou o horror. Criou um jardim de infância para crianças pobres. Uma pequena escola, um colégio, uma usina de compostagem, um hospital. Investiu então em outro local. Foi ao Sudão. Cuidou da favela de Meadi Tora.
Precisando de recursos, pediu, impôs, fez até uma viagem aos EUA. Conseguiu U$ 10 milhões. Ela tinha uma lábia incrível, até para falar da Igreja, do papa. Não gostava de tudo o que vinha de Roma. Particularmente a respeito das mulheres, que a Igreja "jamais compreendeu". A obstinação do Vaticano nas questões do sexo parecia-lhe um crime.
Escreveu a Bento XVI para dizer que a condenação da contracepção, da PÍLULA, do PRESERVATIVO era um erro. Ela testemunhara coisas demasiado horríveis no Cairo, o martírio dessas meninas violadas, grávidas, para aceitar que, em nome do dogma, milhões de crianças fossem condenadas à morte.
"O papa respondeu?" perguntaram-lhe. Ela riu, e erguendo os olhos ao céu disse: "Claro que não! Afinal, é o papa!"
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